Sunday, June 15, 2014

CARTA AO MEU PAI


   Não sou Presidente da República, meu pai, para te honrar com uma medalha de mérito. Nem tiveste essa oportunidade, de fazer o bem e ser reconhecido. Mas, pensando cá para mim, há também quem faça muito mal e receba medalhas. Pergunto-me, se alguém faz pelo menos 1 mal a outrem, terá direito a ser reconhecido com tais prémios distintivos? Pois, talvez. Fez um mal a alguém que ainda hoje sangra, mas fez «muitos bem» a outros... E além de receberem medalhas, têm nomes de ruas, bustos... são uns senhores neste mundo. E no outro, será que também continuam a ser distinguidos ou serão todos pó?
   Sou só a tua filha, o bem mais precioso que tiveste, segundo o teu sentimento. Aqui, coloco-te numa das Galerias de Arte mais conceituadas do (meu) mundo e faço-te esta homenagem.
   SIM, sei que fizeste muito bem aos que ficavam internados no Hospital da Misericórdia (desta terra) e, mais tarde, cuidaste de um senhor, numa casa particular, apoiando-os na dor; dando-lhes os medicamentos a horas; lavando-os; alimentando-os; enxugando-lhes as lágrimas; vestindo-os para a grande viagem e levando-os até à mesa que os suportava nos últimos momentos. Mas, quem soube disto? Os próprios, os seus familiares, a minha mãe e eu, criança que vagueava pelas enfermarias dos homens e das mulheres, atrás dos meus pais e das minhas madrinhas (as senhoras enfermeiras). Nem os governantes da altura souberam que um funcionário da Misericórdia passou horas sem dormir, recebendo um mísero salário. E quando precisaste de uma vaga no Lar da Misericórdia, não havia e, qual barata tonta, sem saber quem me ajudaria, consegui vaga num Lar Privado (fechou-se uma porta, abriu-se uma janela). Agora dizem «Foi, porque podia pagar, não é verdade?» E eu respondo: «Deus sabe o que faz! Pude, sim, porque apenas foram 2 meses e meio (mas tive de pagar o mês inteiro sabe-se lá porquê?!» Foi um tempo de angustia, de sofrimento, de 94 kms diários; bem, quase diários, pois houve dois dias que não te pude ver. No dia seguinte, disseste-me «Filha, ontem não vieste e foi o dia que mais me fizeste falta!» Dói! Como dói! Se soubesse que tinhas tão pouco tempo junto a mim, tinha faltado. Ninguém agradece os esforços que fazemos, julgam-nos máquinas, com coração de pedra.
   Escrevi ao Governo e às entidades (in)competentes que nada fizeram. Algumas, nem resposta souberam dar ou, como não eras familiar nem conhecido, pouco importância tinhas. Engano o deles!
 ÉS MUITO IMPORTANTE, PAI!
 A TI, CONCEDO A MEDALHA DE MÉRITO DO BOM TRABALHADOR!
 LINDO! 
QUERIDO! 
   Conhecedor de uma sabedoria só tua e de uma arte interessante que só nós tivemos acesso.
   Depois, a 15 de junho de 2013, esperaste-nos sonolentamente, por mim e pela tua querida mulher, minha saudosa mãe. Partiste num suspiro tranquilo. A mãe sussurrou-te ao ouvido palavras de amor e eu, feita mulher forte, deixei rolar umas gotas de água, beijei-te e vim tratar do que devia.
   As feridas ainda pulsam em mim e o desespero de te ajudar adormece comigo.
   Pai, descansa em paz. Eu sou forte e não te quero preocupar! Cuida da nossa pequenina, a mãe, que estava cheia de saudades tuas e o destino preparou-lhe a viagem, ao fim de 7 meses.
AMO-TE! AMO-VOS!

Tua/Vossa filha BelMontes